Amygdala- A cura pela dor

Thais ID
6 min readApr 29, 2023

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No álbum D-Day, Min Yoongi, ou Agust-D coloca um ponto final em uma das suas fases mais complexas da sua vida e, para isso, em Amygdala, ele revive seus traumas e nos revela cicatrizes profundas.

Mais que isso, ele nos mostra a sua origem e como aquela pessoa com tanta raiva e sentimentos negativos nasceu e se curou, apesar de tudo que aconteceu.

O MV é pesado e começa com a imagem de um Agust-D deitado, em um cenário escuro e vestindo cinza, que, em alguns casos, pode simbolizar ausência de emoção. O trecho “I don’t know your name”, pode indicar esse nascimento da persona que ele ainda não sabia que podia ser, antes do acidente que vem a seguir.

Enquanto o jovem Yoongi passeia por sua moto, a letra evidencia o que todos queríamos: esquecer as memórias que nos fizeram sofrer, mas isso é possível? Como evitar criar situações que nos traumatizam e que não estão sob nosso controle?

Muitas pessoas recorrem às substâncias ilícitas, mas o melhor é se curar de uma vez, por meio de terapia ou arte, como Yoongi faz, desempacotando uma memória ao lado da outra.

O Nascimento de Agust- D

Os trabalhos de Agust-D sempre foram bem diferentes do BTS, pois exalam sentimentos que são tabus no K-pop e mostram um lado mais cru do “eu” que ele criou para o grupo. E assim como SUGA nasce com o BTS, Agust-D também tem sua origem: o acidente de moto sofrido na época de trainee.

Essa persona nasce/acorda, no momento da batida, de um trauma e, para marcá-la, sua amígdala o fere com um estilete.

Nessa cena, a cicatriz feita no olho, pode se referir tanto ao personagem Tony Montana, de do filme Scarface, como uma simbologia sobre como ela o “abriu sua visão” para um mundo mais triste e doloroso. Aqui referencio a polêmica cena do filme “Um cão Andaluz”, no qual o diretor Luis Buñuel abre o olho da atriz com um estilete para que ela enxergue o surrealismo presente no dia a dia.

Mas o mais importante, é citar o que o próprio Yoongi diz sobre a cena: “cada cicatriz é criada por nós mesmos. Tudo depende de como aceitamos, pode ser uma cicatriz ou não”. Sim, somos responsáveis por nossos traumas.

Não por criá-los, mas pelas marcas que eles vão deixar. Em Daecwhita, a cicatriz ainda está aberta, mas em Haegeum já fechou, ou seja, por mais que o tempo passe, essa marca vai continuar lá, dependendo da maneira que lidamos com eles: ser destrutivos ou escolher viver.

Por isso que Agust-D não vai morrer, pois ele é parte do Yoongi, nascido de um momento traumático, mas que aprendeu a lidar com isso. E isso só é possível revisitando essa memória, assim como uma sessão de terapia dolorosa.

A filosofia por trás de Amygdala

Assim como em Indigo, D-Day é um álbum catártico. Os compositores colocaram em letras e melodias suas emoções e curas.

E, da mesma forma, associo D-Day à filosofia existencialista:

“O Existencialismo é o movimento filosófico que afirma que a existência precede a essência. No caso, o indivíduo não nasce pronto, mas se define ao longo da sua vida. (..)O ponto de partida da investigação existencialista seria a angústia do indivíduo diante da vida, que aparentemente não tem sentido em si mesma. Assim, ele se interroga sobre si mesmo, sua consciência, seu lugar no mundo, suas escolhas etc. Deixa-se de lado as grandes definições universais para investigar as realidades concretas. Assim, não se pergunta mais sobre a natureza humana, mas como os humanos vivem”.

Existem muitos nomes ligados ao Existencialismo, contudo, um dos mais famosos, Jean-Paul Sartre, possui uma frase que é bem conhecida e resume bem como devemos lidar com nossos traumas e como somos formados de tudo que nos acontece e não há como escapar, mas é importante que somos frutos das escolhas que fizemos e a cura é alcançada quando entendemos que o passado e as memórias não devem nos machucar para sempre, pois nada vai mudar o passado: “Não importa o que fizeram de mim, o que importa é o que eu faço com o que fizeram de mim”.

O que me faz acreditar na relação entre o Existencialismo e Amygdala, além da cicatriz, é uma das frases da música: “As dores intermináveis não conseguiram me matar. Mais uma vez eu floresço como uma flor de lótus”.

Não acredito que precisamos passar por momentos difíceis para nos moldar como seres humanos, mas não há como escapar já que vivemos em uma sociedade cruel do qual não temos controle, assim, ainda citando Sartre: “O inferno são os outros”, afinal, se dependesse de nós, nada de ruim aconteceria.

Amygdala e Amêndoas

Desde o momento em que a tracklist de D-Day foi liberada, muito se especulou sobre a inspiração para a música, o livro “Amêndoas” de Won-pyung Sohn.

O livro conta a história de Yunjae um menino coreano que não sente ou entende emoções como a maioria das pessoas, devido a um problema nas amígdalas cerebrais, pequenas estruturas que são responsáveis por todo tipo de emoção ou resposta às emoções.

Especialistas dizem que é uma das estruturas mais primitivas do sistema nervoso e, por muitas vezes, instintivo, como gritar de raiva, chorar de tristeza sem parar ou as borboletas da barriga quando vemos alguém especial.

Durante a primeira parte do livro, Yunjae é tratado por todos os especialistas é obrigado a comer amêndoas, para desenvolver suas amígdalas que possuem a mesma forma que o alimento.

E, após um evento traumático, ele começa a sofrer bullying de Gon, um garoto que, sente demais, mas se escondia por trás de uma carcaça malvada. A grande questão é: Sentir demais ou não sentir nada? Se você pudesse escolher… qual seria sua opção?

Além do nome, no MV o livro é referenciado quando Agust-D come amêndoas, talvez para que suas amígdalas funcionem a ponto de retomar toda dor, liberá-las e lidar com elas agora, já que, em momentos como a operação da mãe, o acidente de moto e o câncer do pai, ele não as pode sentir propriamente, já que não sabia o que estava acontecendo ou precisava esconder seus sentimentos para sobreviver.

Como ARMY, eu vejo muita gente falando que Yoongi ou SUGA, é uma pessoa fria com os outros e, assistindo essa imagem, não pude deixar de pensar nisso e nesse estereótipo completamente sem fundamento. Porém, é uma opinião de fã e não sei se tal coisa faria sentido para o próprio Yoongi.

Concluindo…

Não pude deixar de soltar um grito dolorido ao assistir o MV, pois confesso que tenho memórias tristes e que me marcaram para sempre, porém, assim como ele fez, eu também precisei revisitá-las para entender que nada do que passou pode me ferir, mas sim, entender que isso faz parte da minha vida, mesmo que eu tente negar.

É doloroso e o processo demora, mas é necessário para que não fiquemos parados no tempo.

Ao fim do dia, revendo o vídeo várias vezes, mesmo sendo melancólico, é esperançoso porque sabemos que Agust-D se curou da sua ferida e ele está vivo. E levando em consideração os dias anteriores, eu, particularmente fiquei agradecida por ele ter apoio psicológico e estar junto de nós.

Não é sempre que conseguimos escapar dos nossos fantasmas, mas tanto para desistir, como para continuar exige coragem. Acredito que, para quem desiste é porque tentou bastante, mas eu ficaria mais feliz se todos continuassem…

O que é inaceitável é ficar estacionado e lamentar todos os dias pelo passado que não deve te ferir.

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Thais ID

33 anos, vivendo intensamente todos os dias, trabalhando com o que amo, caminhando e cantando e seguindo a canção